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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Sozinhos, em meio a multidão

Decidiu não deixar mais nada passar, nada que fosse preciso fazer ficaria pra trás, obsoleto. Seus hábitos de deixar pra última hora ou ignorar, fingir que não precisa ser feito, que poderia ser adiado, está com os dias contados. 
Faltava fazer uma coisa, herdada desse mau hábito, ele sabia que lhe causaria angustia. 
Despertou vinte minutos mais tarde, sonhara com ela novamente, não queria chegar antes que o horário de funcionamento, imprimiu o email de confirmação, pois o protocolo havia deixado na gaveta de sua mesa no trabalho, por esse motivo, temia não conseguir retirar seu documento. Sabia que ela o lembraria de levar esse protocolo, se seus caminhos não tivessem bifurcados. Lembrou quando foi realizar um orçamento de tatuagem, que se não fosse por ela, se precipitaria e acabaria marcando horário sem antes comparar preços com outros estúdios.
Embarcou no primeiro dos três trens que tomaria naquela viagem, e na estação seguinte a de seu embarque, a procurou. Não saberia dizer o porquê, se questionado.
Ouvindo podcast, de um capítulo sobre a segunda guerra mundial (não consegue mais ouvir música no caminho para o trabalho), seguiu pensando em como procederia, se não conseguisse o que saíra de casa pra fazer.
Na luz, acabaria ali a viagem de seu segundo trem, e partiria para o metrô. A linha amarela. Onde sempre estivera ao lado dela, nos bons e maus momentos. Queria que ela estivesse ali. Lembrou que o motivo pelo qual ela não estava, era por culpa dele. 
Todo o caminho, remetia ao mesmo trajeto que fez ao seu lado, pouco tempo antes. Sua memória estava dolorosamente fresca.
Estação Hebraica Rebouças, o desembarque do terceiro trem. Jamais estivera naquela estação sozinho, e imaginou que quando esse dia chegasse, seria pra entrar no prédio, e seguir para o andar da Intel. Se enganou drasticamente.
Atravessou o espaço que separava a estação do shopping Eldorado, deu de cara com o Starbucks. Haviam tomado café ali. Lembrou da conversa que tiveram, do learning de inglês de duas desconhecidas, do pardal que se alimentava de migalhas. Seguiu rapidamente para o segundo subsolo, enquanto sua memória trabalhava insanamente para derruba-lo, engoliu o choro.
Dobrando a direita após o último lance de escadas, viu uma assessoria de visto americano, seus olhos fitaram o local automaticamente, desviou o olhar, para a unidade de visto da policial federal, por um momento, viu a si mesmo ao lado dela, sentados no banco esperando serem chamados. Foi para a fila de retirada. Rapidamente foi chamado. Quando questionado se estava munido do protocolo de solicitação, sentiu o chão afundar levemente. Mostrou o email impresso, mas somente um documento de identidade com foto e número de CPF já era o suficiente. Sentiu um breve alívio. Assinou seu nome no passaporte após fazer leitura biométrica do seu polegar direito. Olhou para o passaporte e pensou que estaria mais feliz. Pois ele não sentiu nada além de frustração. Seu único motivo a se alegrar era que havia não deixado mais um "problema" de lado. Encarou a dor, e resolveu o que precisava ser resolvido.
Guardou o documento no meio do "Guia do mochileiro das galáxias" e pôs o livro na mochila. Seguiu os lances de escadas rapidamente, não antes sem ver o Sí Señor, onde se imaginou comparando o cardápio com o restaurante favorito deles.
No caminho inverso, parou para tomar café. Um Refresher de limão e um muffin de muçarela de búfala, queria sentar na mesa onde estiveram, mas ela estava ocupada. Sentou-se ao lado. Lembrou da conversa sobre, tomar café no starbucks antes do trabalho. Ele estava fazendo isso agora, e era assustadoramente sombrio. Finalizou sua alimentação, e partiu rumo ao seu emprego. Vestiu-se de canguru.
Seus dias, eram agora como um filme ruim, onde você prefere cochilar para que chegue logo o fim. Nada lhe dava mais prazer, apenas existiam ações que não aumentavam a dor.
Esteve só, em dois lugares onde jamais esteve sem ela. Queria não sentir mais isso.

"Hello darkness, my old friend"